quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Chico Xavier e o espiritismo pop

No último sábado estreou na rede Telecine o filme Chico Xavier. Na Monet desse mês, fiz uma matéria sobre a onda espírita no cinema nacional. Conversei com algumas pessoas, entre elas Wagner Assis, um conhecido de há tempos, e com o Marcos Bernstein, que, além do roteiro de Chico, assina o ótrimo A Cura, na Globo. Confira a matéria.

Ângelo Antônio em cena de Chico Xavier

Em julho de 1971, Chico Xavier sentou-se no palco da extinta TV Tupi para responder a uma rodada de perguntas, feitas por jornalistas de diversos veículos e acompanhada por uma curiosa platéia. A sabatina pública era conhecida como Pinga Fogo, programa de entrevistas em que o convidado respondia a perguntas polêmicas lançadas à queima-roupa, ao vivo, e sem tempo para  uma preparação prévia. A atração, que tinha previsão de durar 60 minutos, estendeu-se por mais de três horas e atingiu uma audiência de 20  milhões de espectadores, número recorde para época. Filme que tem como ponto de partida a famosa entrevista Chico Xavier, que estreia na rede Telecine este mês, também atingiu números superlativos. 

O longa, baseado na biografia de Marcel Souto Maior, foi visto por 3,4  milhões de pessoas e se transformou em um dos maiores sucessos do cinema dos últimos anos.  “É descoberta de um gênero. Todos vamos morrer. Quem acredita que existe vida depois quer ver essa ideia corroborada nas telas. Quem não acredita, tem, pelo menos, uma certa curiosidade”, diz o roteirista Marcos Bernstein sobre as produções de tema espírita, que têm se transformado em verdadeiros blockbusters nacionais. Além de Chico Xavier, Nosso Lar já bateu a casa dos 3 milhões e meio de espectadores e o pequeno Bezerra de Menezes levou mais de 500 mil pessoas às salas de projeções, prova de que investir no espiritismo é, hoje, um grande negócio.

Imagem do original Pinga Fogo, com Chico Xavier




“Acredito que o público sempre tenha se interessado no assunto. Com o tempo, o cinema nacional vem se desenvolvendo e descobrindo novos caminhos, gêneros que funcionam bem, que têm diálogo com o público. Biografias, comédias, funcionam bem. Agora, vemos que filmes espíritas funcionam bem”, continua Bernstein, que lembra o sucesso de longas como Ghost e Sexto Sentido. “Aqui no Brasil, essas produções ganham um status espírita, mas, fora daqui, não ganham necessariamente uma conotação religiosa, são histórias sobre paranormalidade. 

Em Chico Xavier, estamos contando a história de uma pessoa que existiu, é também um gênero biográfico”. O  roteirista  conta que uma das licenças dramatúrgicas na execução do roteiro  foram  os personagens de Christiane Torloni e Tony Ramos. “As cartas tinham muito mais importância para essas pessoas do que para o Chico. Nós precisávamos de personagens fortes para ilustrar como as cartas emocionavam e até mesmo mudavam a vida dessa gente. O caso do julgamento que foi alterado pela mensagem do Chico é real, mas os personagens não”, diz.

Nelson Xavier, Daniel Filho e Ângelo Antônio durante as filmagens


Além de Chico Xavier, Bernstein assina o roteiro da série A Cura, sobre um médico que tem dons mediúnicos. Acusado de ter causado a morte de uma pessoa no passado, Dimas (Selton Mello), o protagonista, volta à cidade natal para exorcizar a culpa de sua cabeça, mas acaba se envolvendo novamente em curas mediúnicas. Alguns pacientes morrem, e o povo da cidade de Diamantina volta a questionar seus dons. Médico, curandeiro, charlatão? 

 “Na série, mais do que uma crença, trabalhamos o mistério, jogamos a dúvida ao público, se ele cura ou não. O sobrenatural é mais um componente”, explica o autor da série que se diz ateu. “Acho que é até mais interessante, eu que não tenho essa crença, lançar um olhar no assunto. Quero acreditar que estou errado”, brinca. Errado ou não, a série de Bernstein e João Emanuel Carneiro chegou a  atingir 37 pontos no ibope em alguns lugares do país como Minas Gerais, índice normalmente alcançado apenas  pela novela das oito.
Selton Mello no ótimo  A Cura


Mas se em A Cura o espiritismo é apenas mais um elemento dramatúrgico, em produções do cinema nacional, a doutrina espírita aparece como tema central. Baseada no Best seller homônimo de Chico Xavier, Nosso Lar acompanha a trajetória de André Luiz, médico que viveu na década de 1940 e que morre de um mal súbito. Falecido, ele vai parar em uma zona sombria conhecida como Umbral até ser resgatado por espíritos de luz, que o levam para Nosso Lar, cidade espiritual que, supostamente, localiza-se em cima do Rio de Janeiro.   

“O povo brasileiro é o mais ecumêncio, mais sincrético do mundo. Acho que essa é uma boa razão para entender como o tema é bem recebido no Brasil, embora eu acredite que a questão ainda venha coberta de preconceitos, uma pena”, diz o diretor Wagner Assis. Ele cita como exemplo as críticas feitas a Nosso Lar, filme que, segundo parte da imprensa especializada, peca pelo exagero na concepção de figurinos, cenários e no tom declamatório de seus atores. “Foi uma crítica carregada de preconceito. Quem leu o livro sabe que tudo aquilo era descrito. A história se passa entre os anos 1930 e 40, então, a linguagem era outra. Nem todos usam batas e não acho que a cidade mostrada no filme seja tão futurista hoje, em 2010”, defende o diretor, que já planeja uma continuação para Nosso Lar.
Nosso Lar, de Wagner  Assis
Criado na França no século 19, o espiritismo nasceu em 1857 com O Livro dos Espíritos, de  Allan Kardec. No Brasil, seus preceitos encontraram seguidores como em nenhum lugar do mundo. A FEB (Federação Espírita Brasileira) calcula que, atualmente, a doutrina tenha cerca de 30 milhões de seguidores no país, entre praticantes e simpatizantes. O último censo do IBGE ainda não foi divulgado, mas o de 2000 apontava 2 milhões e 300 mil seguidores. 

Caso o número da FEB se confirme, trata-se de um crescimento de 1200% em dez anos e com uma característica peculiar: ele se difunde principalmente nas classes sociais mais altas. “Não somos elitistas. Acho que uma explicação plausível seja o fato de que o espírita leia mais, talvez tenha tido mais acesso a  cultura, tenha mais escolaridade. Trabalhamos com o conceito de fé raciocinada. Não temos dogmas, rituais. Nada é imposto ou inquestionável”, diz Geraldo Campetti, diretor-executivo da FEB. Campetti acredita que o planeta esteja passando por uma fase de transição, por isso, a doutrina esteja tão em alta. “Nessa fase, as pessoas procuram por respostas e querem se elevar. Nesse processo de transição, outros espíritos de luz como Chico, voltarão à Terra para nos ajudar nessa tarefa”, diz. Será que teremos Chico de volta em pouco tempo?

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